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OPINIÃO: Uma agenda de energia: 8 propostas para alavancar o setor

Recentemente a imprensa noticiou a difícil realidade de consumidores que tiveram sua renda consumida pela inflação da conta de luz (que veio 16% acima do já elevado IPCA de 34% dos últimos 5 anos). 

O aumento estrutural do custo da energia não é um fato novo ou restrito a consumidores de baixa renda. Inclusive, em 2019, propusemos em artigo aqui no Brazil Journal caminhos para tornar a energia do Brasil uma grande indutora de crescimento econômico, controle da inflação e de um futuro mais sustentável.

E o que vemos após quatro anos do primeiro texto? Muitos desafios continuam presentes e, pior, importantes retrocessos aconteceram, com destaque para alguns aqui listados, que somam mais de R$ 200 bilhões (o equivalente ao valor de três Eletrobras) em ônus para a sociedade.

Com uma nova liderança instalada, e a partir da crise entre Ocidente, Rússia e China – que vai acelerar a transição energética global – surge a possibilidade de construirmos uma agenda positiva que “solte as amarras existentes”. 

Cabe ao País combinar o potencial de seus extraordinários recursos naturais (sol, vento e água) com decisões certeiras e medidas modernizantes, que tornem o potencial de nossa energia – a mais limpa e barata do planeta – numa realidade que transforme a vida das pessoas.

Abaixo, oito propostas para alavancar o setor.

  1. Energia renovável como motor para o crescimento

O Brasil tem tudo para ser protagonista da transição energética global, o que proporcionaria importante alavanca econômica ao País. Em poucos anos, poderíamos nos tornar o maior exportador global de eletrocombustíveis (eFuels) e fertilizantes verdes, por exemplo. Esse novo ciclo de industrialização, prosperidade e aumento de produtividade partiria da conexão entre nossa energia renovável barata e o novo mercado global de produtos sustentáveis. 

Para citar apenas um desses insumos, a demanda global por hidrogênio verde até o final da década poderá chegar a 75 Mt por ano, o que representa pelo menos US$ 700 bilhões em novos investimentos. E o que mais entusiasma é o Brasil se tornar uma potência verde simplesmente pela vantagem competitiva de nossa energia limpa, barata e abundante, o que, excetuando questões políticas ou interesses setoriais menores, deveria tornar fácil a adoção de medidas ágeis e efetivas – que otimizem custos de produção, criem mercados eficientes alicerçados na livre competição entre empresas e fontes de energia, e integrem o Brasil com o mundo e as cadeias de valor verde que estão sendo formadas.

  1. O papel do governo na indústria de insumos verdes

O novo papel do governo deveria contemplar ações simples e livres de fatores que proporcionem consequências efêmeras ou com balanço social negativo. 

Alguns exemplos positivos para alavancarmos o setor de eletrocombustíveis ou fertilizantes verdes são:

  • A inserção do BNDES como provedor de linhas de crédito em dólares e garantias – sem subsídios e com base no mérito econômico – em parceria com bancos privados e multilaterais para novos empreendimentos que demandarão volumes de recursos fora do comum.
  • A garantia de licenciamento e concessão de direitos para construção da infraestrutura que cerca a indústria – especialmente sistemas de transmissão – de forma tempestiva e simples.
  • A desoneração de projetos que tenham a exportação como finalidade em relação aos encargos setoriais cujos custos não são causados por novos consumidores – exemplo: contas que financiam políticas públicas (CDE e PROINFA), que não geram custo adicional aos consumidores locais existentes.
  • A mobilização dos líderes do governo para influenciar as discussões globais sobre a definição dos critérios para os chamados produtos “verdes”, bem como desenhar novos modelos comerciais e firmar acordos bilaterais que nortearão as trocas de produtos verdes, inclusive créditos de carbono.
  • A ação institucional e administrativa para a atração e consolidação de uma indústria de equipamentos e desenvolvimento de tecnologia de geração renovável local, com destaque para a crucial reignição da indústria brasileira de equipamentos eólicos, que sofreu muito nos últimos anos tendo perdido alguns fabricantes importantes que há anos tinham base de produção local.
  • A formação de mão de obra qualificada para atuação na nova indústria, especialmente nas escolas, centros técnicos e universidades do Nordeste.
  1. Redução de preços via competição e liberdade de escolha

Talvez a única notícia positiva desde a reestruturação do setor, o Ministério de Minas e Energia aprovou em 2022 a portaria de abertura de todo o mercado de alta tensão a partir de 2024, além de ter proposto a abertura integral do mercado entre 2026 e 2028, o que era uma de nossas propostas em 2019. 

A abertura de mercado cria valor à sociedade ao fazer a livre competição reduzir preços da energia no mercado interno e criar um círculo virtuoso de expansão da oferta. Julgamos essencial que esta abertura chegue até o consumidor residencial, promovendo profundo e duradouro alívio às famílias brasileiras que têm sua renda altamente comprometida com gastos em energia. Hoje, 46% das famílias brasileiras usam mais de 50% da renda em gás e eletricidade, segundo pesquisa Ipec/iCS. 

O Projeto de Lei 414/21 é um bom ponto de partida para a discussão e sua aprovação deveria ser prioridade das duas casas legislativas, pois define caminhos para a abertura ampla de mercado tratando a transição com atenção a contratos legados e efeitos nas tarifas. A livre competição é o único caminho que harmoniza sustentabilidade fiscal com a queda estrutural de preços, e o brasileiro tem exemplos em que a liberdade de escolha (“portabilidade”) foi muito bem-sucedida, como nos setores de telecomunicações e de bancos.

  1. Fim de novos subsídios desnecessários e juros

Apesar de sermos uma das maiores empresas do setor de geração renovável, defendemos há anos o fim de subsídios a novos projetos de energia renovável, dado que o enorme avanço das tecnologias para geração de energias renováveis as fizeram as fontes mais competitivas em muitas regiões do mundo, incluindo o Brasil. 

Vantagens continuadas a fontes já lucrativas oneram ainda mais a grande maioria dos consumidores — que já pagarão pelo menos R$ 60 bilhões nas próximas décadas em subsídios — sem qualquer contrapartida ambiental ou social, uma vez que, com ou sem vantagens, a expansão da oferta de energia já se dará predominantemente via energia solar ou eólica. 

Nossa energia eólica gerada em terra (onshore) tem tudo para se consolidar como a energia mais barata do mundo, e a solar ganha competitividade equivalente já sendo substancialmente mais barata que todas as demais fontes, com exceção da eólica onshore. Temos pelo menos 500 GW (ou 3 vezes a capacidade operacional atual do País) em expansões eólicas e solares em terra no Brasil, especialmente na região Nordeste, que poderá se desenvolver ainda mais em decorrência de novos investimentos verdes e da industrialização que seguirá a energia barata. 

Em função desse eldorado em potencial, não faz sentido para o Brasil apostar em soluções que países sem opções energéticas têm seguido, o que oneraria ainda mais os brasileiros sem qualquer benefício concreto. 

Ao lado do fim dos subsídios, a redução dos juros sem atalhos, lastreada numa equilibrada equação fiscal do governo central, é essencial para a redução do preço da energia do Brasil, uma vez que investimentos em infraestrutura são altamente dependentes de financiamentos de longo prazo e a linha de juros é a despesa que mais influencia a equação econômica de novos empreendimentos.

  1. Reversão das “Térmicas Jabutis”

A inserção de 8 GW de termelétricas na lei de capitalização da Eletrobras é forte concorrente ao posto de pior política pública da história. Pelo mérito, é impossível explicar a construção de gasodutos que saem do litoral e vão para o interior, seguida da expansão de capacidade de transmissão para levar tal energia cara e poluente de volta para os centros de consumo. 

O próprio governo estimou que o custo destas termelétricas somados a outros 2 GW de PCHs compulsórias será R$ 50 bilhões maior do que a alternativa com fontes renováveis, aumentando em 160% as emissões de gases de efeito estufa sem nenhum benefício adicional para a segurança de suprimento. 

Pior ainda: a tentativa – até agora debelada pelo Congresso – de lançar subsídio adicional para a construção de gasodutos (“Brasduto”) que levem o gás até as Termelétricas Jabutis pode custar até R$ 120 bilhões adicionais ao erário ou aos consumidores de energia. O novo governo tem todo o ferramental para estabelecer nos próximos leilões preços-teto compatíveis com os menores custos de mercado para testar a competitividade destas fontes e, não havendo ofertantes dispostos a entregar uma energia barata aos consumidores, encerrar essa desagradável aventura do governo anterior.

  1. Reversão da contratação de Angra 3 e das termelétricas emergenciais

As contratações caras e intempestivas no leilão emergencial de energia de 2021 podem gerar custos desnecessários aos consumidores de R$ 40 bilhões nos próximos anos. 

Somados à retomada da contratação de Angra 3 (R$ 17 bilhões) a uma tarifa superior a R$ 700/MWh (aproximadamente 3,5 vezes o preço da energia solar) e à renovação dos subsídios ao carvão (R$ 5 bilhões – batizados de carvão sustentável, um sofismo naturalmente), o prejuízo total à sociedade desse grupo de questionáveis decisões soma outros R$ 62 bilhões. 

Uma vez que honrar contratos é uma premissa inegociável para qualquer país sério que queira atrair investimentos, propõe-se: refletir sobre a real necessidade de continuar com Angra 3; e garantir que os empreendimentos do leilão emergencial que não cumpram suas obrigações regulatórias (especialmente de prazo) percam seus contratos de fornecimento de energia cara e suja.

  1. Transmissão e Aprimoramento da operação do sistema

Ainda precisamos enfrentar o desafio de operar nosso sistema elétrico de forma a sair da lógica de matriz hidrotérmica para uma matriz renovável, utilizando nossos reservatórios hidrelétricos estruturalmente como baterias baratas para acomodar a variabilidade da produção das eólicas e solares, aumentando a segurança de suprimento e reduzindo custos e emissões. 

Nesta abordagem, térmicas caras e poluentes seriam utilizadas somente em casos extremos. Há muitas partes interessadas na discussão, mas os benefícios em termos de queda de preço ao consumidor e segurança de suprimento justificam o esforço técnico e político. E não obstante a grande expansão de capacidade de transmissão vista nos últimos anos, julgamos essencial alavancar nosso bom modelo regulatório e o grande apetite de investidores e empresas competentes do setor, para acelerar a expansão da transmissão e transformar o sistema interligado nacional (SIN) no sistema mais eficaz de transmissão de energia do mundo, garantindo segurança de abastecimento e redução de custos na medida em que ele conecta a energia mais barata do país em suas mais diversas regiões com a demanda, onde ela estiver. 

Nesse aspecto, o Brasil tem um imenso diferencial competitivo em relação aos EUA, por exemplo, país com 7 mercados de energia diferentes e estruturas físicas desintegradas, o que é um grande limitador para a expansão da oferta de energia com maior competitividade. Investimento abundante na transmissão é um enorme indutor de crescimento futuro e não deveríamos medir esforços para acelerar a expansão do nosso sistema com abundância. 

  1. Redução de impostos e encargos

Seguimos nos questionando sobre o sentido de 40% do valor da energia paga pelo consumidor médio ser composto por impostos e encargos diretos. Também nos questionamos com frequência se empresas sustentáveis que produzem e empregam no Brasil deveriam continuar a pagar 34% de imposto de renda, além de elevados impostos diretos. 

A reforma tributária e a reforma do setor são boas oportunidades para desonerarmos a energia, insumo de toda e qualquer atividade econômica — da grande siderúrgica, ao microempreendedor, a todos os lares — e grande indutora do crescimento, seja do lado da oferta como da demanda. A intuição sugere que taxar apostas online ou a importação de produtos de consumo supérfluos faz bem mais sentido do que taxar energia limpa produzida localmente, que gera empregos e prosperidade para os brasileiros.

A chance de fazer algo maior e melhor sempre nos mobiliza como cidadãos e empreendedores, e o sonho de nos tornarmos o “país da energia sustentável” é uma oportunidade muito concreta. Nossa torcida é que erros do passado tenham servido como aprendizados e que o interesse da sociedade seja o grande norteador de iniciativas e decisões.

Antonio Bastos Filho é fundador da Omega Energia.

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