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A beleza e a tragédia em Mark Rothko

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PARIS – A Fundação Louis Vuitton acaba de inaugurar uma retrospectiva blockbuster de Mark Rothko, o pintor russo-americano e um dos artistas mais influentes do século XX.

Exibidas cronologicamente, as 115 obras percorrem toda a carreira do artista, de suas primeiras pinturas figurativas nos anos 30 (incluindo seu único autorretrato) às obras abstratas monumentais. Segundo a Artnet, a mostra é a “realização de um desejo pessoal de longa data de Bernard Arnault. Nenhuma despesa foi poupada.”

Markus Yakovlevich Rothkowitz nasceu na Letônia em 1903. Aos 10 anos, mudou-se para um bairro judaico pobre de Portland, Oregon, nos Estados Unidos. O crescente antissemitismo – sounds familiar? – assustava a família e levou à mudança do nome para Mark Rothko.

Seu pai, um farmacêutico, era um sionista convicto, engajado em políticas sociais e com aspirações a líder sindical. Rothko bebeu nessa fonte e dizia que era “anarquista” antes de saber o que isso significava. Estudante brilhante, foi aceito em Yale mas não gostou da vida acadêmica e, em 1925, mudou-se para Nova York, onde viveu até o fim.

Sem emprego fixo na cidade nova, visitou um amigo que fazia um curso de arte e percebeu que era o queria fazer. Apesar de se considerar autodidata, estudou no The Art Students League e na Parsons School of Design com Arshile Gorky, passando a integrar a cena artística novaiorquina com os grandes nomes da época.

No começo da carreira experimentou um estilo figurativo e surrealista, mas não alcançou sucesso financeiro ou de crítica. Nos anos 40, influenciado por Clyfford Still, começou uma transição para o abstrato e passou a expor constantemente com Jackson Pollock, Piet Mondrian e Willem de Kooning.

Em 1958, foi um dos representantes dos EUA na 29ª Bienal de Veneza. No mesmo ano, o restaurante Four Seasons, desenhado por Phillip Johnson no icônico prédio da Seagram, do arquiteto Mies van der Rohe, encomendou a Rothko painéis para decorar suas paredes. A empreitada era financeiramente atrativa e levaria suas obras para o centro financeiro do mundo.

Rothko queria ter um lugar espaçoso e permanente onde os painéis pudessem ser vistos juntos. Apesar de muitos acharem que Rothko tinha motivações de elevação espiritual, essa não era a intenção do artista com veia anárquica – ele queria provocar incômodo, perturbação.

Conforme o trabalho foi ficando pronto, não conseguiu expor naquele lugar e rescindiu o contrato. Em conversa com um jornalista da revista Harper’s, em 1960, Rothko disse que nunca mais aceitaria uma comissão como essa. Concluiu que nenhuma pintura deveria ser exibida em um lugar público, pois a experiência verdadeira é solitária e individual.

Confessou que aceitou a tarefa como um desafio, com intenções estritamente maliciosas. “Espero pintar algo que arruíne o apetite de todo ‘son of a bitch’ que coma naquele restaurante. Se o restaurante se recusasse a colocar meus murais, esse seria o melhor elogio. Mas eles não vão. As pessoas aceitam qualquer coisa hoje em dia.”

Para obter o efeito opressivo que desejava, usou uma paleta escura, mais sombria do que já tinha usado até então, nas cores vermelha, marrom e preta para invocar as reações humanas diante da tragédia, ruína e êxtase.

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Ele explicou na época que percebeu que as paredes pintadas por Michelângelo em 1524 na escadaria da Biblioteca Medicea Laurenziana, em Florença, tinham ficado em seu subconsciente. Segundo Rothko, Michelângelo alcançou exatamente o tipo de sentimento que ele procurava – o de aprisionamento em uma sala, alterando o senso de espaço de um modo perturbador.

Rothko acreditava que uma imagem vive ou morre a depender do espectador; por isso seria mortal deixá-las ir para um restaurante. Ele temia que suas telas estariam condenadas a mera decoração, sem um olhar sensível de quem sente compaixão pelo que vê. (A peça de teatro Vermelho, vencedora de diversos prêmios e encenada em muitos países, é a versão dramática da preparação desses painéis.)

Nove dos trinta painéis realizados foram doados à Tate, em Londres, sob a condição de serem expostos sempre juntos e em uma sala exclusiva. O fato de a Tate ter a maior coleção de obras do pintor J.M. William Turner, que ele tanto admirava, foi determinante na escolha do museu que receberia as obras de presente. As obras chegaram em Londres no dia em que Rothko se matou.

Apesar de ter declarado que não aceitaria mais comissões, em 1964 John e Dominique de Menil, fundadores do Museu Menil, projetado por Renzo Piano em Houston, encomendaram painéis para um espaço meditativo. No total, Rothko preparou 14 pinturas que hoje formam a chamada Capela Rothko, um centro ecumênico que atrai peregrinos de todo o mundo. Ele morreu um ano antes da inauguração do que é considerado uma das obras-primas do século XX.

Os murais da Tate estão expostos agora em Paris, junto com obras emprestadas por grandes museus do mundo, além do acervo dos herdeiros.

Christopher Rothko, filho do artista, é co-curador da retrospectiva. Ele tinha 6 anos quando o pai se matou. A mãe teve um derrame e morreu 6 meses depois do marido. Christopher ficou sob a guarda da irmã Kate, de apenas 19 anos.

Rothko tinha 798 trabalhos em seu ateliê e um testamento feito, no qual nomeava três testamenteiros. Os testamenteiros tinham uma relação, não divulgada, com a galeria do artista, que comprou os trabalhos por um valor abaixo de mercado, deixando os herdeiros sem as obras do pai e com um patrimônio muito inferior ao que tinham de direito.

A filha resolveu iniciar uma briga judicial contra os testamenteiros e a galeria que ficou com as obras. Ninguém achava que ela ganharia, mas depois de 15 anos de batalha judicial, que se tornou umas das mais célebres disputas no mundo das artes, as obras voltaram para os herdeiros. Além da justa questão financeira, os filhos queriam conviver com as obras do pai.

Rothko começou sua fase abstrata com cores mais vivas e radiantes, e foi escurecendo a paleta no tempo.

Melancólico, em seus últimos anos sofria com questões de saúde e estava inconformado com o sucesso da arte pop, que ele via como o oposto de sua busca, e, deprimido, se divorciou e se distanciou da família e dos amigos.

A arte de Rothko é única porque se concentra em questões puramente pictóricas, como cor, superfície, proporção e escala, buscando trazer luminosidade, profundidade e contraste.

Ele não gostava de nomear os trabalhos ou explicá-los, queria que cada um vivesse sua própria experiência – de acordo com seu drama pessoal.

“Filosofia. Teologia. Literatura. Poesia. Drama. História. Arqueologia. Antropologia. Mitologia. Música. Essas são minhas ferramentas tanto quanto pincéis e tintas,” dizia Rothko.

O mercado de arte, até alguns museus, quiseram rotular Rothko como um líder espiritual, o criador de uma pintura sagrada, como um Kandinsky ou Mondrian, o que venderia mais e agradaria aos colecionadores e ao público em geral.

Mas o que o artista realmente queria não vende muito nem atrai multidões: Rothko queria destruir certezas. Suas masterpieces, as obras dos últimos anos de vida, demandam atenção, emoção, pensamento e compromisso de quem as vê, obrigando o espectador a confrontar a si mesmo e seus fantasmas. Por isso, é comum ver pessoas chorando na frente de certas telas.  Obcecado por Mozart, dizia que sua música o fazia “sorrir entre lágrimas,” uma descrição perfeita do sentimento causado por suas obras.

A exposição fica em cartaz até 2 de abril de 2024.

 

Rothko
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